A partir de junho de 1944, o Jornal dos Sports traria uma grande inovação em sua primeira página: charges diárias sobre futebol. A despeito do enorme plantel de cartunistas brasileiros na imprensa carioca, acostumados com a nossa cultura, Mário Filho preferiu contratar da imprensa de Buenos Aires, o cartunista portenho Lorenzo Molas. Molas criou mascotes, alguns ainda hj identificados com seus clubes, como o nosso cartola, o diabo, do América e o Almirante do Vasco. Molas criou mascotes para todos os dz times que participavam do campeonato carioca, além da Miss Campeonato, uma estonteante beldade disputada por todos, e sua mãe, a sogra que casaria com o vice-campeão. As charges podem ser percebidas como uma evidência da contribuição da imprensa para a construção de uma cultura futebolística. A criação de mascotes, personagens-símbolos das equipes envolvem interpretações a respeito de estereótipos e históricos de torcedores e clubes. Na cena, percebemos também a presença de (da esuqerda para direita, no sofá da Miss campeonato) Pato Donald (por ser brigão e irriquieto, como era conhecida a torcida e dirigentes alvi-negros), o Popeye (pela sua fase, que vinha conquistando campeonatos com surpreendentes crescimentos na tabela, após maus inícios, como o marinheiro dos quadrinhos, que se superava após comer seu espinafre) e o Almirante português identificado com o histórico navegador que batiza o clube da colina.
importante chamar a atenção para a escolha de dois ícones da cultura de massa americana no auge da "política de boa vizinhança".
Já no final da década de 1960, o Jornal dos Sports, provavelmente atentos a uma nova juventude, mais politizada com as tensões do momento político, no auge da ditadura, ampliava o foco do periódico, cobrindo assuntos ligados à educação e à cena cultural da cidade. Nesse ínterim, o humor de um jovem cartunista cairia como uma luva: Henrique de Sousa Filho, vulgo Henfil, começaria com cartuns políticos e logo passaria a cuidar dos assuntos do futebol, sem contudo negligenciar as tensões políticas ocorridas em 68, denunciando interrogatórios, o intervencionismo norte-americano, a repressão a protestos, o assassinato do estudante Edson Luiz, e as crises econômicas. Após o AI-5, entram em cena, novos mascotes para os clubes e a crítica política seria redirecionada para o conflito social.
Geralmente ignorada por estudos históricos como evidência de resistência, os personagens de futebol de Henfil são extremamente políticos. Transportando o conflito de classes para o futebol, Henfil procurava ressaltar essas características entre os torcedores. Os tricolores, mais identificados com a elite, eram o principal alvo de Henfil, que caracteriza o "Pó-de-arroz" de maneira ligeiramente efeminada, arrogante e racista, devido as origens aristocráticas do clube das Laranjeiras.
Aos tricolores mais apaixonados como eu, um alerta: devemos entender o mascote de Henfil como uma consciente criação estereotipada da nossa querida torcida. A questão de Henfil sempre foi política. Suas intenções e motivações são políticas e as diferenças de classe, um dos maiores e mais sérios problemas sociais do país. Na charge, percebemos como o cartunista mineiro trabalhava essas diferenças. Na tira, estão presentes, o urubu, o bacalhau, além do pó-de-arroz. Nota-se que os nomes servem mais como apelidos. O bacalhau é representado por um típico português, enquanto o urubu, por um negro com pinta de malandro. Em tempo: Henfil era rubro-negro fanático.
Inspirados nas três cores que traduzem tradição, o Blog Cultura Tricolor procura oferecer ao exigente torcedor tricolor, um entretenimento à altura de seu bom gosto, com tudo que está relacionado à cultura e ao nosso tricolor: falamos de música, teatro, cinema, charges, história, artes visuais. Desse conjunto, selecionamos tudo que está relacionado aos nossos símbolos, às nossas conquistas,aos nossos ídolos e às inúmeras homenagens de ilustres tricolores.
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- Flavio Pessoa
- Tricolor desde vidas passadas... mas com a lembrança mais remota de torcedor em 1983, no gol do Assis aos 45 do segundo tempo. Um começo e tanto! Interesses diversificados sobre artes em geral (literatura, cinema, teatro, música, quadrinhos, animação, artes plásticas).
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As charges de Molas foram publicadas a partir de 1943 não é mesmo? E, em junho de 1944, elas passariam então a ser diárias, é isso?
ResponderExcluirOi, Leonardo. Não, estou certo que elas começaram mesmo no dia 17 de junho de 44. Tem um artigo do Manuel Epelbaum pra ABI que aponta o ano de 43, e sua fonte provavelmente é uma entrevista dada pelo cartunista, meses antes de morrer, a um jornal argentino, quando o próprio Molas aponta a mesma data (43). Mas acredito que houve apenas uma falha de memória. Primeiro porque no dia 18 foi publicada a nota, anunciando a novidade, depois porque consegui o prontuário de entrada dele no país, que foi no dia 14 de junho de 44. E terceiro, porque em 43 ainda encontrei ilustrações dele no jornal Crítica, de Buenos Aires. Por isso que o rigor da pesquisa histórica exige que a gente desconfie de apenas uma fonte, procurando sempre novas evidências. Obrigado pelo interesse. Em breve escreverei mais posts sobre o assunto.
ResponderExcluirEsta certíssimo Flavio. Estou exatamente elaborando um livro-documentário sobre os mascotes do futebol brasileiro e me interesso muitos pelas informações e arquivos que você citou. Eu mesmo já encontrei, desde que comecei a elaborar o livro, diversas informações erradas sobre o assunto. Gostaria de detalhar meu projeto e trocar informações. Pode me ajudar? Meu e-mail é jornalista07@yahoo.com.br.
ResponderExcluirMolas comecou realmente em 1944. Interessante é que ele levou poucas semanas para criar os seus personagens
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