terça-feira, 31 de julho de 2012

Companheiros de luta e de glórias, sou tricolor de coração

 
Ilustração minha de 2009.   
 
Como é o hino do Fluminense? Qualquer criança há de responder sem titubear, cantando os versos da famosa marchinha de Lamartine Babo: "Sou tricolor de coração, sou do clube tantas vezes campeão..." Marchinha composta nos idos da década de 1940.
Mas peraí... se o Fluminense foi fundado em 1902 e o hino cantado até hoje nas arquibancadas é da década de '40, qual era o hino do clube, antes da marchinha de Lamartine?

Primeiro Hino Oficial
Para voltar as histórias dos hinos, devemos lembrar do famoso escritor Paulo Coelho Netto, que segundo o artigo de Manel J. G. Tubino, Bruno Castro de Sousa e Rafael Valladão, teria sido o grande incentivador da vida artística do Fluminense, tendo ocupado ainda o cargo de vice-presidnete do clube. Foi também o pai de João Coelho Neto, o célebre Preguinho, multi-atleta que muito honrou a camisa tricolor em vários esportes, além do futebol, o notório importal era um dos grandes defensores do futebol, tendo travado alguns embates intelectuais com Lima Barreto a esse respeito. O já "tricolor de coração" Coelho Neto também dedicou ao nosso Fluminense o primeiro livro sobre a história do clube, lançado por ocasião do cinquentenário do clube, em 1952. Coelho Neto também protagonizara um episódio que ficaria para a história do futebol (ou para o museu de lendas do velho esporte bretão): a dita "primeira" invasão de campo, quando indignado com a atuação do juiz que insistia em inventar pênaltis e a mandar voltar a cobrança até que o adversário fizeesse o gol, num Fla-Flu que acabou anulado.

Capa da edição de 1952, do livro de Coelho Netto.
No destaque da capa, a Taça Olímpica de 1949, prêmio-homenagem concedido pelo C.O.I. para o clube que mais se destacar em todo o mundo, na organização e promoção dos esportes olímpicos. O Fluminense é o único clube da América Latina a ter merecido a honraria.   

Mas voltando à história do hino, foi dele a autoria do primeiro hino oficial do clube. Segundo o mesmo artigo citado acima, Coelho Neto teria escrito a letra sobre música já existente de  H. Williams, It1s a long long way to Tipperary" - canção popular entre os soldados britânicos durante a Primeira Guerra Mundial - para o hino que foi cantado pela primeira vez, na inauguração da 3ª sede, em 23 de julho (dois dias após o 13º aniversário de fundação do clube) de 1915.  Não é estranho que Coelho Neto tenha buscado inspiração numa canção entoada por soldados no primeiro grande conflito mundial. Os autores do artigo citam o caráter bélico, bem como valores em voga entre a elite carioca. Vale notar o vocabulário rebuscado, ao gosto da época, e a inspiração no discurso higienista em voga entre a elite nacional, que enaltecia o esporte como símbolo de modernidade e civilidade e que acreditava numa suposta supremacia genética: "Assim nas justas se congraça/ Em torno dum ideal viril/
A gente moça, a nova raça/ Do nosso Brasil !"     

O Fluminense é um crisol
Onde apuramos a energia
Ao pleno ar, ao claro sol
Lutando em justas de alegria
O nosso esforço se congraça
Em torno do ideal viril
De avigorar a nova raça
Do nosso Brasil !

Corrige o corpo como artista
Vida imprime à estátua augusta
Faz da argila uma robusta
Peça de aço onde a alma assista
Na arena como na vida
Do forte é sempre a vitória
Do estádio foi que a Grécia acometida
Irrompeu para a glória

Ninguém no clube se pertence
A glória aqui não é pessoal
Quem vence em campo é o Fluminense
Que é, como a Pátria, um ser ideal
Assim nas justas se congraça
Em torno dum ideal viril
A gente moça, a nova raça
Do nosso Brasil !

Adestra a força e doma o impulso
Triunfa, mas sem alardo
O herói é bravo mas galhardo
Tão forte d'alma que de pulso
A força esplende em saúde
E abre o peito à bondade
A força é a expressão viva da virtude
E garbo da mocidade      

Segundo Hino Oficial 
Como o primeiro hino começava a ser motivo de paródias, rapidamente foi encomendado novo hino. Na perspectiva melódica, uma marcha marcial, de inspiração bélica, também ressaltavam aspectos e valores da aristocráticos, enaltecendo o esporte como símbolo de costumes civilizados espelhados no modelo europeu. De autoria de Antônio Cardoso de Menezes Filho, o segundo hino  também sugerem a noção da crença excludente na raça superior: "Disputamos no campo a vitória/ Do mais forte, mais destro e sagaz!"
Nota-se que os hinos foram compostos por famílias tradicionais que perteciam à nata da sociedade carioca. 

Companheiros de luta e de glória
Na peleja incruenta e de paz
Disputamos no campo a vitória
Do mais forte, mais destro e sagaz!

Nossas liças de atletas são mansas
Como as querem os tempos de agora
Ressuscitam heróicas lembranças
Dos olímpicos jogos de outrora

Não nos cega o furor da batalha
Nem nos fere o rival, se é mais forte!
Nossas bolas são nossa metralha
Um bom goal, nosso tiro de morte

Fluminense, avante, ao combate
Nosso nome cerquemos de glória
Já se ouve tocar a rebate
Disputemos no campo a vitória.

A marchinha de Lamartine
 Das marchas marciais às carnavalescas, a popularização dos hinos dos clubes cariocas tem a ver com uma mudança radical do futebol no cenário cultural brasileiro. A popularização do esporte através da imprensa, das transmissões à rádio, já tirara da prática todo o caráter elitista, que clubes como Fluminense se preocupavam em manter até, pelo menos, a profissionalização na década de '30. Entra em cena, Lamartine Babo, um dos maiores nomes do carnaval carioca, autor de pérolas como "Teu cabelo não nega", "Linda Morena" entre outras tantas célebres marchinhas carnavalescas, é representativo dessa gradual transformação.Os novos hinos dos clubes cariocas foram todos compostos por Lamartine na década de 40.  Como afirmaram Tubino, Souza e Valladão, perde-se o garbo, a pompa, a solenidade, ganha-se em alegria, empolgação, popularização, onde o vocabulário mais coloquial ajuda bastante no processo. Algo semelhante já acontecia na imprensa com intensidade desde a década de '30, em que a linguagem direta e fácil do Jornal dos Sports, se torna o exemplo mais representativo. Os hinos (ou marchinhas) de Lamartine exprimem bem este momento. O artigo já citado, percebe que, por mais que tenha perdido muito da carga higienista, a marchinha de Lamartine ainda mantinha o tom nobre a cavalheiresco: " Fascina pela sua disciplina" ou ainda " Vence o Fluminense usando as fidalguias"... 
 Segundo seu biógrafo, diz o artigo, Lamartine escreveu a letra do hino do Fluminense, sobre música do maestro Lyrio Pannicalli, na antiga sorveteria Americana,  depois ocupada pela garagem do Hotel Serrador, prédio hoje adquirido pela Petrobrás, no Rio de Janeiro.  A primeira parte ressalta a fiorte relação entre torcedor e o clube e seus símbolos, como a bandeira ("Salve o querido pavilhão"), enquanto a segunda parte do hino atribui sentido às cores do clube, reforçando um forte vínculo identitário. 

Sou tricolor de coração
Sou do clube tantas vezes campeão
Fascina pela sua disciplina
O Fluminense me domina
Eu tenho amor ao tricolor

Salve o querido pavilhão
Das três cores que traduzem tradição
A paz, a esperança e o vigor
Unido e forte pelo esporte
Eu sou é tricolor

Vence o Fluminense
Com o verde da esperança
Pois quem espera sempre alcança
Clube que orgulha o Brasil
Retumbante de glórias
E vitórias mil

Vence o Fluminense
Com o sangue do encarnado
Com amor e com vigor
Faz a torcida querida
Vibrar de emoção o tri-campeão

Vence o Fluminense
Usando a fidalguia
Branco é paz e harmonia
Brilha com o sol
Da manhã
Qual luz de um refletor
Salve o Tricolor
 
No Vagalume, a melodia do segundo hino oficial.
http://www.vagalume.com.br/hinos-de-futebol/fluminense-oficial.html

No youtube, várias versões do hino popular:

http://www.youtube.com/results?search_query=Hino+do+Fluminense&oq=Hino+do+Fluminense&gs_l=youtube.3..35i39j0l9.749.6294.0.6601.14.14.0.0.0.0.1009.2689.2j3j2j5-1j0j1.9.0...0.0...1ac.Xl2fjW4moaY

Fontes: artigo TUBINO, Manuel José Gomes; SOUZA, Bruno Castro e VALLADÃO, Rafael. " Uma análise acerca do conteúdo dos hinos oficiais e populares dos principais clubes cariocas de futebol da primeira república ao Estado Novo."  http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/751/75117016010.pdf


(http://www.campeoesdofutebol.com.br/fluminense_hino.html)

2 comentários:

  1. Oi, Flavio, tudo bem? Gostei muito dessa sua ilustração do Lamartine Babo neste post, parabéns. Você me autorizaria usá-la num artigo do poeta Glauco Mattoso na revista Metáfora? O artigo trata da métrica de alguns hinos futebolísticos, e o Lamartine é bastante comentado. Um abraço, Edgard.

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    1. Oi, Edgard. Vc tem e-mail? Eu costumo vender licença de uso nesses casos, mas tudo depende um pouco da veiculação da revista. É impressa ou só virtual? Se for impressa, qual a tiragem? Se for virtual, qual o número de visitas? Me manda um e-mail e no caso de site, pode me passar, por favor? De todo modo, agradeço o interesse. Meu e-mail: flaviocariocapessoa@gmail.com

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