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Tricolor desde vidas passadas... mas com a lembrança mais remota de torcedor em 1983, no gol do Assis aos 45 do segundo tempo. Um começo e tanto! Interesses diversificados sobre artes em geral (literatura, cinema, teatro, música, quadrinhos, animação, artes plásticas).

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Quando o profeta falhou


Foto de arquivo do Globo. Nota-se que o fotógrafo registrou o momento exato do apito final.
Marcial sobe pra encaixar uma cabeceada do tricolor dentro da área, enquanto os demais jogadores rubro-negros erguem os braços para comemorar a defesa e o final da partida.

15 de dezembro de 1963.  Uma partida que entraria para história pelo recorde de público em uma partida de futebol entre dois clubes. Uns falam em 170 mil, outros em 177 pagantes, alguns garantem que passaram de 200 mil. Talvez nunca venhamos a saber ao certo.
Infelizmente essa partida entraria para história também por outro motivo que não foi lá muito agradável para nós. Bem, não foi nada agradável, aliás. Pela primeira vez na história, o Fla iria nos vencer numa final de campeonato. O carioca de 63. Vencer não é bem a palavra, já que jogo terminou 0x0, mas como eles tinham chances de empate, contabiliza-se uma vitória para eles. De lá pra cá, já se vão quase cinquenta anos e eles só voltaram a repetir o feito só mais duas vezes.
Mas por que num blog voltado para nossa torcida, a história de uma derrota? Por vários motivos. Primeiro porque somos uma torcida fidalga, que ao contrário das demais, sabemos reconhecer os méritos dos adversários. Segundo, porque podemos nos dar ao luxo, já que temos o triplo de conquistas em cima deles. Terceiro para mostrar como o futebol é surpreendente. porque mesmo as conquistas escritas há seis mil anos podem sofrer um acidente e ter seu destino mudado por um detalhe. Foi assim, pelo menos, que Nelson se esquivou na crônica após a derrota, e após ele ter anunciado na crônica anterior que o profeta anunciara: "Fluminense campeão de 63". E, por fim, porque nem só de conquistas e alegrias, se vive a História. Vejam a nossa derrota em 50, quantos livros, crônicas, filmes já não renderam a nossa tragédia nacional! Grandes times vivem também  de suas derrotas, mas só os gigantes tem a grandeza de preservar sua memória.

Semana de Fla-Flu
Nesta crônica publicada n'O Globo no dia 13 de dezembro daquele ano, Nelson fala da euforia antecipada da torcida rubro-negro, tomando o futuro diretor da TV Globo, Walter Clark como exemplo. "Ainda ontem encontrei, no posto 6, o Walter Clark. Nunca vi ninguém tão Flamengo! Pois bem: _ e o W. C. só pensa em Fla-Flu."

***
"Assim que me viu, ele me arrastou para um canto. Conversamos na varanda da TV Rio, diante do mar." Naquela época, Nelson participava na época da famosa mesa redonda esportiva, criada pelo Walter para a TV Rio, com o nome de Grande Revista Esportiva, e mais tarde, já na Globo, passaria a se chamar Resenha Facit. ( http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-236422,00.html )

Sobre Nelson e a resenha esportiva:  http://www.youtube.com/watch?v=TlOBVe6yE80
Prosseguindo, Nelson fala do entusiasmo juvenil de W.C., que lhe confidenciava a festa que estava arrumando para comemorar o campeonato. "(...) vai comemorar a vitória com busca-pé, desfile, bombinhas, fogos diversos. Comprou um automóvel branco, nupcial, imaculado, forrado de arminho. E esse carro de noiva vai puxar a passeata. Pensa, também, numa charanga wagneriana pra dar o tom alto á comemoração."
***

"Eu ouço o W. C. e calo. Mas há qualquer coisa de suicida nessa alegria prévia. Amigos, sempre que vai estourar uma catástofe, o ser humano cai num otimismo obtuso, pétreo e córneo."  "Eis o que me pergunto: _ com suas comemorações antecipadas, o Walter Clark não estará arranjando a sua Hiroshima particular?"
"Mas vejam a dupla experiência que está reservada ao Walter Clark: _ ele hoje canta a vitória rubro-negra, para domingo chorar a vitória tricolor."  
"O profeta já anunciou:_Fluminense, campeão de 63"          
Curioso como Nelson passa a ele mesmo se empolgar com a "perigosa" empolgação do torcedor adversário .Nelson acaba transformando o "já ganhou alheio no próprio Já ganhou".
***   
Dito isso, pulemos o jogo, em que o placar terminou do mesmo jeito que começou. Jogo "oxo".
Ou por outra, falemos do jogo a partir da crônica posterior do grande dramaturgo, publicada no dia seguinte à partida. Sem medo de entregar os pontos, Nelson não perde a pose. "Amigos, ao terminar o grande Fla-Flu , o profeta tratou de catar os trapos e saiu do Maracanã, mas de cabeça erguida. Era um vencido? Jamais. Vencido como, se temos de admitir esta verdade límpida e total: _ o fluminense jogou mais! Não cabe, contra a evidência de nossa superioridade, nenhum argumento, sofisma ou dúvida. " (...) " Alguém dirá que o profeta não previa o empate. Exato. Mas vamos raciocinar. Houve lances, no fla-Flu que escapariam à vidência até de um Maomé, até um Moisés de Cecil B. de Mille. Lembro-me de um omento em que Marcial estava batido irremediavelmente. O arco rubro-negro abria sete metros e quebrados. E que fez escurinho? Enfiou abola na caçapa? Consumou o gol de cambaxirra?" Simplesmente Escurinho levantou para Marcial. Deu a bola na bandeja, como se fosse a cabeça de São João batista. E eu diria que nem Joana D'arc, com suas visões lindas, ou Maomé, pendurado no seu camelo, ou o Moisés de Cecil B. de Mille, do alto de suas alpercatas - Podia imaginar tamanha ingenuidade. 
"E tem mais. Os profetas de ambos os sexos jamais poderiam contar com a trave. No sgundo tempo, Escurinho mandou uma bomba. nenhum gol foi tão merecido. Pois bem: vem a trave e salva. " 
***
A crônica de Nelson não é só lamento., Exalta a torcida rubro-negra, com um certo encanto de observador da cidade: " à saída do estádio, eu vi um crioulão arrancar a camisa diante do meu carro. Seminu como um São Sebastião, ele dava arrancos medonhos. Do seu lábio, pendia a baba elástica e bovina do campeão. mesmo que eu fosse um Drácula, teria de ser tocado por essa alegria que ensopa, que encharca, que imunda  a cidade. Não sei se oi time do Flamengo, como time, mereceu o título. Mas a imensa, a patética, a abnegada torcida rubro-negra merece muito mais. Nota-se um tom ambíguo neste elogio, Algo como uma observação divertida, talvez debochada. Frisa-se também, a parcialidade marcante (e assumida) que já imperava por esses tempos  na crônica esportiva.  Vimos em outros posts do blog, como Henfil tb já tirou sarro na derrota de seu Flamengo para o rival que mais lhe incomodava: nós.

Mas como Nelson também não era de dar o braço a torcer, (vide o episódio: "o video-tape é burro", no link acima) vale observar aqui como ele encerra de forma magistral sua crônica. 
"Amigos, eu sei que os fatos não confirmam a profecia. Ao que o profeta pode responder: _ "Pior para os fatos!". É só.                          

Canal 100:
http://www.youtube.com/watch?v=_uBeLOrNay4 (tricolores, ouçam só até começar aquele hino "detestável"). 

Ficha Técnica:
Ficha técnica: Flamengo 0 x 0 Fluminense.
Decisão do Campeonato Carioca de 1963.
Data: 15/12/1963.
Local: Maracanã, Rio de Janeiro/RJ.
Fluminense: Castilho; Carlos Alberto Torres, Procópio, Dari e Altair; Oldair e Joaquinzinho; Edinho, Manoel, Evaldo e Escurinho. Técnico: Fleitas Solich.
Flamengo: Marcial; Murilo, Luís Carlos, Ananias e Paulo Henrique; Carlinhos e Nelsinho; Espanhol, Airton, Geraldo e Oswaldo. Técnico: Flávio Costa.
Árbitro: Cláudio Magalhães.
Público pagante: 177.656 (o maior da história em jogos interclubes no mundo).
Público presente: 194.603 (o maior da história em jogos interclubes no mundo).
Renda: CR$ 57.993.500,00 (recorde histórico na época).
Fonte: http://jornalheiros.blogspot.com.br/2009/08/recordar-e-viver-o-fla-flu-de-1963.html

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