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Tricolor desde vidas passadas... mas com a lembrança mais remota de torcedor em 1983, no gol do Assis aos 45 do segundo tempo. Um começo e tanto! Interesses diversificados sobre artes em geral (literatura, cinema, teatro, música, quadrinhos, animação, artes plásticas).

terça-feira, 10 de março de 2015

A sede do Fluminense

Ilustração em aquarela que fiz em 2009, da sede do Fluminense na época. Sutilmente, sugeri reproduzir alguns tons que lembram o nosso pavilhão, no céu, na sede e na vegetação.
   
   Um dos maiores orgulhos de todo tricolor que se preze, é também um valioso patrimônio do clube. Após a inauguração do estádio em 1919, quando o Brasil sediou o torneio Sul-americano, que viria a ser a primeira conquista da seleção brasileira, no nobre gramado tricolor, a sede seria integralmente inaugurada em 1920, sob a gestão de um de seus mais aclamados presidentes de todos os tempos: Arnaldo Guinle. O projeto assinado pelo arquiteto Hipolito Pujol, ostenta requinte e rebuscamento à altura das tradições aristocráticas do clube, bem como ao gosto do estilo eclético, em voga na época. 
Atualmente a diretoria vem reconhecendo o valor e a importância de preservar seus símbolos. A reforma completa da sala de troféus, com recursos multi-mídia é um investimento inteligente, bem mais atraente,  informativa e divertida do que aquela sala escura, onde os troféus eram amontados, sem ordem, nem história, filmes e áudios das conquistas. A memória das nossas glórias não são os troféus em si. Eles são apenas um dos símbolos. Valiosos, claro, mas eles por si só, não transmitem, por exemplo, a emoção de um gol aos 45 minutos do segundo tempo. Memória são filmes, reportagens, fotos, charges, posters, flâmulas, camisas,  bandeiras, chuteiras, narrações de rádio, álbum de figurinhas, enfim...todo um conjunto de pequenos tesouros que costuram nossa lembrança e narram histórias. A reforma da sala de troféus é uma mudança simbólica importantíssima, bem mais do que se supõe, porque é uma mudança de personalidade.    
Parece ter ficado definitivamente para trás (com a benção de João de Deus) aqueles tempos nebulosos, quando vândalos descontavam nos famosos vitrais franceses da sede da Álvaro Chaves, a raiva com as decepções do time em campo. Como diria o Nelson Rodrigues, a paixão pode ser também furiosa. Assim como os torcedores da crônica de Nelson, que decepcionados com um terrível revés da equipe, decidiram atear fogo à bandeira tricolor, em pleno Maracanã, outros revoltados, já nos anos noventa do século passado, encontraram outro símbolo para demonstrar sua fúria, (e seu amor incondicional ao clube). Mas agora, encontraram outra forma de demonstrar esse amor. Frequentando a sede, as arquibancadas e incentivando o time de guerreiros.

Infelizmente quando eu nasci, meu pai já não era mais sócio do clube, que costumava frequentar desde moleque, mas eu ainda tive a oportunidade de assistir a várias partidas no velho estádio onde a seleção brasileira iniciou sua trajetória vitoriosa. Em seus últimos tempos de bola rolando, oito mil pessoas lotavam o velho estádio, que já tivera capacidade para cerca de 20 mil, antes de destruírem a parte da arquibancada que ficava onde hoje passa a Pinheiro Machado. Sim, o estádio pagou seu preço por ter sido erguido em uma época em que ainda se podia pensar em ter um estádio no perímetro urbano de uma metrópole como o Rio de Janeiro.
Também frequentei, bem mais ocasionalmente, a parte interna do clube, quando ia a Flu Boutique renovar o manto tricolor ou presentear algum possível tricolor recém nascido. Mais recentemente, o restaurante do clube, onde fazia eventuais reuniões de trabalho. Isso, um pouco antes de ter se transformado no atual bar dos guerreiros, outra grande ideia, mas ainda um pouco mal aproveitada (ainda acho que deviam investir em  oferecer chopes artesanais, e melhorar atendimento e gastronomia).  

Nossa querida sede é tombada pelo Patrimônio Histórico e alimento um sonho de que um dia, ela ainda venha a se tronar um enorme museu do clube, como uma ampliação da atual sala de troféus, equipada ainda com videoteca, biblioteca, auditório, cinema (todos com os melhores e bem aproveitados recursos multi-mídia), lojas de souvenir, etc... Um verdadeiro centro cultural de memória da história de conquistas do time tantas vezes campeão. Porque, além das novas conquistas, é a memória que mantém a paixão do torcedor e nos faz eternos.
   
     

Ilustração que fiz em 2009, em aquarela, tomando como base, a vista do Google  Earth. 

      
Fotografias de arquivo:  

foto do salão de festas
Amplo salão de festas, chá dançantes, eram local de encontro da elite carioca durante décadas.
Reparem o pé direito alto e imaginem a acústica.

Os famosos vitrais franceses fazem iluminar o salão e o piano de calda, onde certamente tocaram grandes pianistas como o tricolor Arthur Moreira Lima.   


A sede na época de sua inauguração, na Rua Álvaro Chaves, 41, Laranjeiras.


Vitrais

A sala de troféus antes da reforma. Taças expostas em estantes pesadas, sem nenhuma história ou explicação. Corredores estreitos, ambiente lúgubre. Muito pouco convidativa. 


A sala de troféus atual, Sala Affonso Castro ( um dos principais nomes do conselho diretor na época do cinquentenário do clube, em 1952, na gestão do pres. Fábio Carneiro de Mendonça),
Abaixo, mais algumas fotos da nova sala. Orgulho de ser tricolor!







Fontes:
http://www.fluminense.com.br/site/social/sede/
http://luizarquiteto.blogspot.com.br/2010/09/projeto-de-restauracao-da-sede-do.html

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Carnaval tricolor!



Foto tirada do blog Panorama tricolor, de onde tirei tb algumas informações.
http://www.panoramatricolor.com/samba-e-fluminense-por-marcus-vinicius-caldeira-2/

Para quem diz que carnaval não se mistura com futebol, eu digo que depende. Se for no sentido direto de termos agremiações carnavalescas com nomes de times de futebol, como temos em São Paulo, eu concordo. Mas como poderia ser possível impor uma barreira entre duas das mais fortes e representativas manifestações culturais do país? Até porque a história de um encontra com a do outro em várias situações importantes e ambas ajudaram a abrir espaços e caminhos para ascensão social do negro na sociedade brasileira. Aliás, desde o início da história dos concursos entre as escolas, este encontro rendeu ótimos frutos, pois foi o Mundo Sportivo, periódico de Mário Filho que resolveu começar a promovê-lo no carnaval de 1932.  (o jornal havia começado a funcionar no fim de 1931. Acabado o campeonato carioca, a promoção do carnaval foi a saída perfeita pra evitar falta de assunto, encalhe e morte prematura do periódico... afinal, um concurso carnavalesco é quase uma disputa esportiva.  
 Além disso, sempre teremos grandes sambas enredos cantados e adaptados por torcedores nas arquibancadas... mas não me perguntem porque sambas enredo em homenagem a história de clubes nunca empolgaram muito nem os próprios torcedores,
De toda forma, procuro aqui lembrar algumas boas associações entre a história do Fluminense e o carnaval.
1. Como torcedor, defendo até a morte que as cores da Mangueira, minha escola de coração (assim como de ilustres tricolores como Tom Jobim, Chico Buarque e Cartola) foram escolhidas tb para homenagear o Fluminense. Meu lado historiador já não me deixa advogar com a mesma convicção, pois já ouvi depoimento de Cartola onde ele não cita a relação com o clube.  Mas não ter o Cartola citado a relação com o clube tb não descarta a possibilidade de apenas não querer provocar polêmicas com rubro-negros torcedores da escola. Humberto Franceschi,em seu recém lançado "Samba de sambar do Estácio", afirma que a escolha das cores da Mangueira seria uma homenagem aberta ao Rancho dos Arrepiados, do bairro das Laranjeiras. Se era de um rancho das Laranjeiras, somado à proximidade entre o rosa e o grená (que lembra mais o sangue), supõe-se aí uma possível homenagem velada tb ao tricolor das Laranjeiras, time do coração de Agenor de Oliveira, o Cartola. Coincidência ou não, a Mangueira foi a primeira campeã, assim como o Fluminense.
2. Entre ilustres tricolores estão alguns dos maiores nomes de toda a história da MPB. Cartola, fundador da Mangueira, Chico Buarque, autor de tantas músicas carnavalescas, e Tom Jobim, que tb já compôs pra folia.
3. Chico Buarque, aliás, quando foi homenageado pela Mangueira (olha ela aí de novo), tb teve direito a uma ala Fluminense... e lá se foi a grande oportunidade que perdi de desfilar na avenida defendendo ao mesmo tempo minha escola e meu time de coração.  
4. No dia 08 de fevereiro de 1975, (completos 40 anos outro dia), um sábado de carnaval, nosso presidente do vencer ou Vencer, Francisco Horta, após montar um timaço, marcou um jogo festivo para apresentar aquela "Máquina" à torcida. Após ser rejeitado pela torcida corinthiana,  Rivelino dava um baile de bola no seu ex-time, e faz 3 na goleada por 4x1, num amistoso em que ele mostrou aos não tão "Fiéis" torcedores rivais que fizeram mal em culpar seu ídolo pelos maus tempos... Logo depois ele jogaria um Rio x São Paulo pelo Rio e não faria sentido jogar pros cariocas sem nunca ter jogado com a camisa de um time carioca. Por isso, marcaram o jogo prum sábado de carnaval. E paulistas que me desculpem, mas de carnaval, nós cariocas entendemos mais. De futebol, nem sempre, mas a maior parte das vezes; :)
5. Na ocasião, Horta contratou a bateria da Mangueira que teria ido vestidos todos com a camisa do Fluminense
6. O carnaval em questão foi certamente o primeiro deste que aqui escreve. E logo de cara foi abençoado pela Clara Nunes, que me carregara no colo. Portanto, completo 40 anos de carnaval (ainda que não lembre do episódio)... tendo começado muito bem, assim como comecei muito bem a frequentar o Maracanã, 8 anos depois, com o gol do último minuto do Assis,
7. Noca da Portela, Wilson Moreira e Paulo da Portela, outros ilustres tricolores, mas portelenses!
8. Portanto,  não devem ter se aborrecido com a torcida tricolor que, criativa, fez uma adaptação do samba-enredo de 1995 da azul e branco (curiosamente, a da grande final do gol de barriga).
Parece ou não feito originalmente pro tricolor?

https://www.youtube.com/watch?v=BuF_EaaJOlM 

9. Em 2010, a Mangueira abriu sua quadra  para a torcida comemorar a conquista do título do Brasileirão depois de tantos anos.  

Rivelino, fazendo o nosso carnaval mais feliz desde 1975.

       

sábado, 24 de maio de 2014

À sombra das chuteiras imortais no teatro

Assisti hoje à última apresentação da primeira temporada da peça À Sombra das chuteiras imortais.  Uma livre adaptação das famosas crônicas esportivas do célebre tricolor, Nelson Rodrigues (o eterno homenageado deste blog)  Henrique Tavares, direção dele, com Gláucio Gomes, Ingrid Conte, Anderson Cunha, Crica Rodrigues e César Amorim.
A partir de fins de junho, portanto antes de terminar a Copa, a segunda temporada  terá início no Teatro Gláucio Gil (não confunda com o ator Gláucio Gomes, companheiro tricolor) em Copacabana, ao lado da Estação Cardeal Arco Verde.
A trama central, diz o programa, gira em torno da crônica "O grande dia de Otacílio e Odete" uma crônica esportiva com ares de "A Vida como ela é..."
Henrique costura trechos de outras crônicas, como "O craque na capelinha", "Complexo de vira-latas" e "O mais belo futebol da terra".
Na trama, Otacílio, a mulher, Odete, e o melhor amigo, Cunha,  ouvem juntos todos os jogos da Copa de 1958, ainda assombrados pela derrota de 50, em pleno Maracanã. A desconfiança vai se transformando em otimismo velado, até na véspera da final, o tio de Otacílio revela ao sobrinho seu maior temor (depois de uma nova derrota da seleção): sua esposa o trai. O tio então faz a exigência homicida. O sobrinho deve lavar a honra com sangue, assassinando a amada, assim como fizera o próprio com sua esposa infiel.
Otacílio está confuso e perdido e sua maior angústia é ter descoberto a traição justamente na véspera da final. Estava decidido. Mataria a esposa após o jogo. Ou durante, se o jogo estivesse favorável á Suécia.     Não percam, no Gláucio Gil, quando voltar em cartaz.
Abaixo alguns croquis que consegui fazer, com a caneta nanquim 0,3, enquanto conseguia alguma luz na fila F, onde eu estava.
Em casa, finalizei com aguadas de nanquim cores de avelã e sépia e alguns detalhes a bico de pena com nanquim preto.  
Saudações tricolores!  


     

segunda-feira, 22 de julho de 2013

De Zezé Moreira a Abel Braga, técnicos duradouros.

Campeão carioca e brasileiro no mesmo ano...quantas vezes conseguimos tal feito? Só em 1984 e 2012.
Abel Braga tem tudo a ver com isso. O técnico além de ter dado um padrão de jogo para o time, é admirado e respeitado pelos jogadores e pela torcida.
Em 2005, Abel já havia vencido um carioca com requintes de crueldade contra o adversário,  com um gol nos acréscimos, nosso cartão de visitas. Infelizmente, após 5 derrotas segiuidas e a não classificação no G4 da Libertadores, a diretoria preferiu dar voz aos últimos reultados e demitiu o técnico.
8 anos depois, a meóldia ameaça-se repetir.
Essa velha mania idiota dos clubes brasileiros não pode continuar e parece que , por enquanto, o bom senso prevaleceu. Vejam abaixo:
://br.esporteinterativo.yahoo.com/noticias/dirigente-fluminense-garante-manuten%C3%A7%C3%A3o-abel-174003839--sow.html
Curioso que os dirigentes brasileiros que tanto copiam o Europeu, só não copiam o que é bom. A fiolosofia de manter um técnico, de não demiti-lo depois de algumas derrotas, raramente se viu por aqui. Teve Telê no São Paulo e Zezé Moreira no Fliuminense, da qual vou falar abaixo. Ainda que tenha ficado apenas 4 anos seguidos.
Para lembrar que bons times que formam uma geração campeã costumam manter os técnicos por muito temnpo, lembremos um pouco de Alfredo Moreira Júnior, irmão do tb técnico SAymoré Moreoira, Zezé Moreira, que treinou o Fluzão entre 51 e 54, conquistou o carioca de 51 e o Mundialito de 52. Depois venceu tb o carioca de 59 e o Rio-São Paulo de 60. (ainda bem antes do brasileirão). Depois voltou uma última vez para treinar o time em 73, mas nesse ano não chegou a ser o técnico que levantaria o carioca daquele ano, vencido numa final dramática contra o Flamengo, quando o técnico era David Ferreira, o Duque.
Zezé Moreira  nasceu em Miracema em 17 e faleceu em Vila Isabel, bairro de Noel, no Rio de Janeiro, em 98, aos 80 anos.
Ainda ficaria imortalizado num filme, de Braz Chediak, baseado na peça Bonitinha, mas Ordinária  do tricolor Nelson Rodrigues, "patrono" desse blog. Na cena em que o amante cruza com o marido traído na saída de casa, o primeiro comenta com o segundo: E o Fluminense? E o outro: Zezé Moreira!
Um amigo conhecedor de Nelson me garantiu que foi o prórpio que reescreveu a cena, acrescentando os diálogos na hora, pouco antes de gravar.
Na ilustra abaixo, inspirada em foto da agência O Globo, Zezé Moreira, em 53, pegando pesado no treino nas Laranjeiras.
Agora o zagueirão Abel, este começou a carreirira como jogador nas divisões de base do nosso tricolor em 68, passando aos profissionais em 71, onde já faturou o primeiro tíitulo, repetindo a dose em 73, 75 e 76.
Já cpomo treinador, demorou a ter oportunidade de comandar o nosso tricolor. Mas assim que assumiu já venceu o carioca, com fortes doses de emoção, como já mfoi relatado lá em cima.De volta ao Flu em 2011, fez ótimaa campanha no brasileirão, ficando em terceiro, ano passado ganhou quase tudo. Carioca e brasileirão. Agora, apesar de o time estar jogando melhor sempre, com a sequencia de resultados negativos, por iromnia, justamente por conta de uma péssima zaga (que já deram o que tinham que dar de bom no clube), falaram em tirá-lo de lá...
Numa boa, dr., Celso Barros, o clube funciona melhor se o sr., sói solytar o dinheiro...já poercebeu que quando o sr., resolve interferir, não dá certo?
Precisamos ganhar o próximo jogo contra o Grêmio, sobretudo pra garantir o Abel.
Gostaroia que a torcida o apoiasse muito na arquibancada.
Fica, Abel!

segunda-feira, 1 de abril de 2013

O Rio de Janeiro em sues conflitos sociais nas charges do Jornal dos Sports


Figura 1Nas charges de Molas, as referências geográficas do Rio de Janeiro são as mais características. Molas não delimita os diferentes espaços da cidade, de acordo com as classes sociais. Todos os mascotes costumam frequentar os mesmos ambientes. Aqui, um vestígio de uma época em que, como veremos, Copacabana vivia seu apogeu, enquanto espaço privilegiado da cidade. JS, 01 de abril de 1945.   




Figura 2  - Os espaços urbanos da cidade são delimitados de forma caricatural na perspectiva de Henfil, em que duas grandes regiões mantém-se em constante conflito. A Zona Sul, área mais nobre da cidade, bem como o subúrbio são representados por seus elementos e símbolos mais significativos: a praia, o Pão de Açúcar, com o Cristo Redentor situado sobre ele, em vez de sobre o Corcovado, onde o mesmo realmente está. JS, 24 de janeiro de 1970.  
   

     Este post não trata apenas de questões exclusivas ao nosso querido Fluzão. Aqui reproduzo, tentando amenizar a linguagem acadêmica, parte de um capítulo de minha dissertação sobre as célebres charges de Molas e Henfil, principais criadores das mascotes dos times cariocas, hoje conhecidas por muitos torcedores. Mas, por se tratar de assunto ligado à história do Rio e à memória afetiva do futebol, está mais que justificada sua presença no blog. Vamos ao assunto. 
     Duas charges, dois diferentes "Rios" de Janeiro. As duas abordam o mesmo assunto: o futebol, que nos dois momentos interessava a uma parcela significativa da cidade, e foram publicadas no mais popular diário esportivo do país, o Jornal dos Sports. Uma primeira diferença surge logo na identificação de localizações conhecidas da cidade. A primeira tem como cenário, a praia de Copacabana, no momento em que o bairro vivia seu apogeu. Pedro Pinchas Geiger, em seu estudo sobre a evolução urbana nas grandes capitais do país, refere-se à Copacabana como sendo uma "cidade dentro da cidade". O bairro que se tornara o mais famoso "cartão postal do Rio de Janeiro", era reconhecido como espaço privilegiado da capital, mais bem servido no que diz respeito ao comércio, serviços gerais, alternativas de lazer, transporte coletivo, acesso por grandes avenidas que reduzem drasticamente o tempo de viagem, além do clima mais ameno da orla oceânica. Além disso, a preferência dada pelos turistas estrangeiros conferia uma "atmosfera mais cosmopolita" ao bairro.Parte deste glamour acabaria se perdendo na medida em que o famoso bairro começava a experimentar uma crescente e gradativa popularização, nas décadas de 1950 e 60, período de intervalo entre os recortes históricos discutidos nesta pesquisa. Com o advento do concreto armado e a exploração imobiliária, foram erguidos novos edifícios residenciais com mais apartamentos, porém mais estreitos, atraindo famílias de classes sociais mais humildes, que preferiam conviver com menos espaço, em prol da boa localização, e afastando as classes mais abastadas para os bairros próximos de Ipanema e Leblon.
    A charge seguinte estabelece uma fronteira imaginária entre os afastados bairros de Ramos e Ipanema, em uma brincadeira que faz parte do jogo de polarizações articulado por Henfil, ao acentuar os contrastes sociais no Rio de Janeiro. Nas suas charges, Henfil divide o Rio de Janeiro em duas frentes: a República Popular de Ramos e a República de Ipanema Beach. Acentua as diferenças entre as camadas sociais na cidade, dividindo-a em dois ambientes totalmente distintos. De um lado, a elite, representada pelo bairro nobre de Ipanema. Do outro, as camadas populares, mais identificadas com bairros suburbanos, como Ramos. Ainda que se deva levar em conta a acentuação dos contrastes articulada pelo cartunista, notamos que a referência geográfica é acrescida em sua charge de uma conotação social com maior relevância do que na obra de seu antecessor.
A referência à Copacabana é completamente dispensável nesta charge de Molas, uma vez que não altera em nada o sentido da piada. Na de Henfil, o oposto. A referência geográfica é parte da crítica implícita ao conjunto da obra. A delimitação desta fronteira fictícia parece querer esboçar uma caricatura do abismo social existente entre as classes sociais mais abastadas e as mais modestas da cidade. Eles não estão impedidos de ultrapassar a fronteira. Têm liberdade para invadir o espaço um do outro, mas não sem causar incômodos, constrangimentos ou conflitos, verbais ou físicos.           
Para se compreender um pouco melhor o contexto da charge da praia, é preciso voltar um pouco no tempo. Havia chegado a hora de começar a aquecer os ânimos para a principal disputa da época: o campeonato carioca de futebol. Molas, que já havia repetido a fórmula com as outras competições, começaria a preparar o terreno para apresentar a mais desejada de todas as misses. A pioneira e mais importante Miss Campeonato era uma espécie de "figura alegórica" que representava o aclamado campeonato carioca de futebol, que reunia os principais times do Rio de Janeiro e durava cerca de seis meses. Assim que os mascotes ficaram sabendo da chegada de uma nova filha da sogra, que anuncia seu retorno de um internato de freiras, passaram a se mobilizar para, a todo custo, conhecer os atributos físicos da moça. Em suma, queriam saber se valeria a pena, o esforço da disputa. Na charge de Molas (figura 1), destacada no alto deste post, encontramos todos os mascotes na praia de Copacabana, tão espantados quanto decepcionados com os trajes de banho da nova filha da sogra, recém-chegada de um internato de freiras. Popeye caía duro pra trás e o Almirante comentava que sua mãe usava um maiô assim. Ao centro da cena, trajando um modelo de maiô bastante ultrapassado, que lhe cobria o corpo do pescoço aos pés, a futura Miss 45 carregava uma sombrinha, com um ridículo chapéu enfiado na cabeça, e óculos de aros enormes. Aparentando natural constrangimento, ao perceber-se no centro das atenções, se pergunta se não estaria muito escandalosa. Seu visual contrastava com o traje de banho da época de todos os personagens da cena, incluindo o das duas moças que passavam, sem resistir a comentários maliciosos:
- De que museu saiu aquela mulher?
- É a Miss campeonato 45?           
Na charge de Henfil  (figura 2), as notícias de um rádio de pilha vêm atrapalhar a tranquilidade do Cri-cri, torcedor do Botafogo, que curtia sua praia, em Ipanema, refestelado à sombra de um guarda-sol. “Terminada a partida. Spartak 5x1 Botafogo”. A sonora goleada deixava extramente preocupado o assustado Cricri, que passa a temer uma possível e iminente invasão dos adversários, membros da República Popular de Ramos, à Ipanema. Ao subir em um poste, de posse de uma luneta, visualiza o Urubu e o Bacalhau correndo em direção à área nobre da cidade. “Putzgrila!” – exclama. “Já cruzaram a faixa desmilitarizada da Cinelândia e rumam firme para Ipanema. A partir daí, Henfil procura transmitir a angústia do alvinegro, mostrando, nos quadrinhos seguintes, a perspectiva de quem olha por uma luneta. Veem-se apenas os representantes das massas aproximando-se, na medida em que vão sendo vistos em tamanhos cada vez maiores, até que chegam a extrapolar os limites do círculo que os envolve e que representa a vista através da luneta. Chegando à Zona Sul, ansiosos, põem-se a procurar pelo Cri-cri. Suas expressões sugerem excitação e sadismo. Ao final, o Cricri, que estava escondido em uma lata de lixo, é descoberto pela dupla ao ser lançado para o alto feito um foguete e expelir um enorme ovo, que seria levado com entusiasmo pelos rivais, em júbilo.
Figura 2.3 – Os espaços da cidade no humor de Henfil são representados de forma a acentuar os contrastes sociais do Rio de Janeiro. A caracterização desses contrastes são reforçados aqui como denúncia da diferença de atenção do Estado, se compararmos as áreas de moradias mais nobres e mais humildes. Contrasta-se, por exemplo, um cacto na área da República de Ramos, com flores em Ipanema Beach. Nota-se também a diferença entre o desenho das placas de identificação das duas regiões. JS, 14 de janeiro de 1970. 


Esta outra charge de Henfil  (figura 3) traz apenas o torcedor alvinegro na sua euforia solitária. Seu traço gestual somente se presta, à minúcia de detalhes, se servir a uma dose a mais de escárnio. Quando precisa delimitar, por exemplo, a fronteira fictícia entre a República de Ramos e de Ipanema Beach, faz questão de diferenciar as placas. A da elite, fincada sobre um jardim florido, mais estreita, sutil e bem decorada, apresenta adornos nas extremidades, enquanto a do povo é maior, mais rude e sem maiores “delicadezas”. No espaço reservado a Ramos, percebe-se a insólita presença de um cacto. Além da referência sutil ao tratamento diferenciado dado pelos governantes às áreas mais nobres da cidade, o cacto pode, talvez, sugerir a ideia de um clima “árido” nessas regiões, ou uma associação entre todas as áreas carentes do país, como a Caatinga, representada por Henfil, nas tiras da Graúna e Zeferino.
 A decepção do alvinegro é salientada pelo vazio cenográfico dos quadros. É possível que este vazio não estivesse assim tão longe da realidade das ruas, uma vez que o momento era de Copa do Mundo. Mais precisamente, a do México, em 1970, que consagraria a seleção brasileira como potência mundial no futebol, e o Brasil levaria definitivamente a taça Jules Rimet, ao conquistar o tricampeonato na primeira edição do torneio mundial transmitido ao vivo pela televisão. O motivo da alegria do Cri-cri era pela participação dos jogadores alvinegros, na vitória da seleção em uma partida amistosa. Para além do deboche direcionado à patética euforia diante de motivo tão banal para celebração, ou direcionado a uma desmoralização ainda maior, as charges de Henfil destacadas ainda denunciam, de modo geral, uma ampliação desordenada da malha urbana, onde espaços mais nobres mantêm-se sob domínio de uma casta privilegiada, enquanto as carentes e longínquas regiões periféricas testemunham prolongados períodos de expansão demográfica.
           Procuramos observar aqui, através do contexto do desenvolvimento urbano da cidade, que aspectos foram capazes de influir no trabalho de Molas e Henfil. Os cartunistas vivenciaram grandes transformações na cidade em seus períodos, no que diz respeito à política, à sociedade, à urbanização, a valores morais e culturais. O Rio de Janeiro expandia-se e industrializava-se em ritmo acelerado. Entre um momento e outro, perderia a condição de Distrito Federal. Três anos após a transferência da capital para Brasília, Geiger enumera uma série de fatores que dimensionam a importância para o desenvolvimento da cidade, de ter usufruído ou mantido algumas das benesses adquiridas com a posição de Capital da República. Entre diversos dados apontados, destaca-se a renda do setor terciário correspondente à manutenção do governo federal, o número de servidores públicos (mais de 200 mil, segundo o autor) e boa parte dos organismos econômicos oficiais mantiveram sua sede na cidade. Mesmo com a perda da condição de capital federal, a população do município do Rio de Janeiro passaria de 1.759.277 habitantes em 1940, para 3.330.431 em 1960. Este crescimento populacional evidentemente não ocorreu de maneira bem distribuída, mas sempre com maior intensidade ou mais irregularmente nas zonas suburbanas do que na área nobre da cidade. Sobre a população concentrada nas áreas tidas como menos favorecidas da cidade, basta verificar que o aumento populacional apurado representa um percentual que sobe de 48% da população da cidade em 1940, para 55% em 1960. 
       É válido ressaltar ainda que o espaço fictício das tiras de Henfil ignora diferentes gamas entre as classes sociais contrastantes, seja pelo lado da elite, seja entre as regiões mais periféricas da cidade. Uma vez que as diferentes localidades da cidade indicam diferentes condições socais, essa caricatura que Henfil elabora dos espaços sociais do Rio de Janeiro ganham maior relevância na sua obra do que a caricatura que Molas faz da cidade. Se a população da Zona Sul envolve famílias de diferentes níveis sociais, podemos verificar, segundo Geiger, nuances bastantes distintas nos bairros e regiões do subúrbio carioca, onde Bangu se notabilizaria pela forte presença de sua indústria têxtil, Madureira por importantes centros comerciais e Marechal Hermes por servir de área residencial de militares. É todo este universo, somado ao das favelas cariocas espalhadas pela cidade, que está representado na República Popular de Ramos. A caricatura aqui assume seu papel de acentuar os traços mais característicos, ao desprezar diferenças de nível social radicais, seja entre os grupos formados pelas classes mais favorecidas, seja entre as camadas mais populares. Ao esboçar a caricatura da sociedade carioca, Henfil procura enfatizar o já forte contraste social do Rio de Janeiro. Através da ampliação do fenômeno, confronta realidades sociais mais privilegiadas com as mais modestas da população.
A charge de Molas não associa Copacabana a um ícone elitista, mas podemos imaginar a intenção de identificar uma localidade conhecida e afetiva à população (provavelmente também para o próprio cartunista, morador do bairro) e que, pelas afirmações de Geiger e Abreu, vivia seu apogeu. Se a praia, a princípio, é reconhecida enquanto espaço público e de livre acesso à população, independente de sua classe social, não se estranha a presença dos cinco personagens mais associados aos times tidos como “pequenos” no cenário da praia. No entanto, podemos observar os trajes inapropriados ao banho de alguns dos personagens “suburbanos”. Enquanto os que representam os times “grandes” estão todos em trajes de banho, podemos observar o malandro, do Madureira, com seu terno de sempre; o operário do Bangu, com seu uniforme, e o seu Leopoldino, do Bonsucesso, com os seus inseparáveis paletó e guarda-chuva. Molas parece querer evidenciar os limites sociais no uso não democrático deste espaço público, ao frisar que apenas os representantes da “elite” do futebol têm acesso aos lazeres.   

A charge de Molas não associa Copacabana a um ícone elitista, mas podemos imaginar a intenção de identificar uma localidade conhecida e afetiva à população (provavelmente também para o próprio cartunista, morador do bairro) e que, pelas afirmações de Geiger e Abreu, vivia seu apogeu. A irrelevância desta identificação para a compreensão da charge, a meu ver, só alimenta a hipótese de que a intenção do cartunista seria apenas situar a cena em uma praia bem movimentada, a mais famosa da época, onde a população carioca se encontrava nos domingos de sol. Se a praia, a princípio, é reconhecida enquanto espaço público e de livre acesso à população, independente de sua classe social, não causa espécie a presença dos cinco personagens mais associados aos times tidos como “pequenos” no cenário da praia. No entanto, podemos observar os trajes inapropriados ao banho de alguns dos personagens “suburbanos”. Enquanto os que representam os times “grandes” estão todos em trajes de banho, podemos observar o malandro, do Madureira, com seu terno de sempre; o operário do Bangu, com seu uniforme, e o seu Leopoldino, do Bonsucesso, com os seus inseparáveis paletó e guarda-chuva. Molas parece querer evidenciar os limites sociais no uso não democrático deste espaço público, ao frisar que apenas os representantes da “elite” do futebol têm acesso aos lazeres.   

O momento registrado por Molas remete a um processo de popularização de Copacabana que se intensificaria a tal ponto que, no período descrito por Henfil, o bairro já não convence mais como representativo desta elite. Após a abertura do Túnel Velho, ligando Botafogo a Copacabana, na última década do século XIX, esta região da cidade passaria a crescer em ritmo cada vez maior, com a incorporação à urbanização de Copacabana, Ipanema e Leblon, transformando-se, no decorrer do século XX, no espaço privilegiado do Rio de Janeiro, onde se concentraram as camadas mais abastadas da cidade. Com o barateamento dos custos das obras e os investimentos públicos estimulando a construção civil, o processo de verticalização foi se intensificando em Copacabana desde fins da década de 1930.Parte da classe média começava a poder realizar o sonho de morar na Zona Sul, e essa expansão foi nitidamente maior em Copacabana, onde a oferta de comércio e serviços só fazia crescer.

“(...) graças ao seu conteúdo social e ao dos bairros vizinhos, de constituir uma clientela exigente, numerosa e concentrada, [o bairro se] distingue do restante da zona residencial. Por tudo isso, Copacabana é uma cidade dentro da cidade”.  Pedro Pinchas Geiger. 

Praia e bares: a sensação do lazer carioca no auge de Copacabana.

Av. Nossa Senhora de Copacabana e a verticalização do bairro, nos anos 1940-50.   

Assiste-se a partir dos anos 1940 a um enorme boom imobiliário em Copacabana, e o crescimento de edificações mais modernas, de vários pavimentos”. Copacabana, entre 1940 e 1960, viu sua população triplicar, pulando de 74.133 para 240.347 habitantes. A explosão demográfica em Copacabana, que atraía principalmente as famílias de renda mais modesta, foi afastando os mais abastados em direção ao Leblon, passando evidentemente por Ipanema, que passaria a se tornar um bairro símbolo da elite carioca, como sublinha Henfil. Ainda que a República de Ipanema Beach, imaginada por Henfil, compreendesse toda a Zona Sul, Copacabana talvez já não fosse mais o bairro adequado a representar a elite.


Av. Vieira Souto, Ipanema, anos 1970. Curioso predomínio de fuscas.
Acaso da foto ou exagero de Henfil?  A paisagem, no entanto, é nobre como em sua Ipanema Beach.

Capa do disco Garota de Ipanema. A Bossa Nova teria ajudado a levar parte do glamour (e do processo de popularização) de Copacabana para Ipanema?  



Referências 
GEIGER, Pedro Pinchas. Evolução da Rede Urbana Brasileira. Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (MEC), 1963, p.174-75.


ABREU, Mauricio de. A evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPP, 2008 (4 ed), p.109, tabela 5.6; p.117, tabela 5.9.

BERGSON, Henri. O riso: ensaio sobre a significação do cômico. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987, pp. 22-4. Para maiores considerações diversas sobre caricatura, charge e cartum, ler Introdução da presente dissertação, p. 16.

Prontuário 14 269/44, Serviço de Registro de Estrangeiros SPMARF/ RJ RNE 300.026, 11ª folha, Requerimento de registro permanente, solicitado em 18 de dezembro de 1944.   

PESSOA, Flavio. Humor, futebol, política e sociedade nas charges do Jornal dos Sports: um estudo comparativo entre a obra de Lorenzo Molas (1944-1947) e Henfil (1968-1973). Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em História Comparada. UFRJ, 2013.     

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

2012 Um ano de comemorações

Ilustração minha, auto-retrato da comemoração pelo tetra, na casa do casal  de amigos
Cleyton e Fernanda Castelo Branco, no dia 11 de novembro de 2012.




Eis que o time das vitórias dramáticas, cardíacas, de gols derradeiros nos minutos finais da peleja, acabou sendo campeão com 3 rodadas de antecedência. Com isso, a conquista me pegou de surpresa e bem no meio de tanto trabalho, de modo que o blog Cultura Tricolor não teve como ser atualizado e cometeu o pecado de deixar passar em branco esta nossa última conquista. Começo hoje e devagar, a corrigir este erro imperdoável, pois os nossos guerreiros merecem todas as nossas homenagens. 
Em meio a um congresso em São Paulo, acabei vendo o jogo na casa de um super simpático e hospitaleiro casal de amigos paulistanos, ela, corinthiana, e ele, São paulino. O flagrante de mim mesmo, que reproduzi em desenho (acima) reflete um momento que mostra sua imensa paciência e delicadeza. Abriram a janela para que eu pudesse extravasar e berrar o meu: "tetra-campeão" para a vizinhança. Acabado o jogo, fomos, eu e a minha companheira Roberta de Freitas direto pro aeroporto. Chegando ao Rio, fui evidentemente às Laranjeiras, recepcionar os guerreiros, cujas fotos, preciso receber do meu irmão Celso Taddei  que me acompanhou naquela noite emocionante e que aparece nas outras ilustrações, flagrantes das comemorações pelo carioca e pelo brasileirão. 
Saudações tricolores e que venha o 32º carioca, o penta brasileiro, a Libertadores e o Mundial. Só! 

A Classe Teatral Tricolor comparece no Engenhão, parando pra ver mais um show do nosso tricolor:
Meu irmão Celso Taddei, Alfredo Boneff e Carla Faour na torcida teatral do Fluzão.

Celso Taddei, eu e Gláucio Gomes "bebemorando" mais um título no Cervantes, com direito à chope na pressão e sanduíche de Filé com queijo e abacaxi.  


   


sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Quando o profeta falhou


Foto de arquivo do Globo. Nota-se que o fotógrafo registrou o momento exato do apito final.
Marcial sobe pra encaixar uma cabeceada do tricolor dentro da área, enquanto os demais jogadores rubro-negros erguem os braços para comemorar a defesa e o final da partida.

15 de dezembro de 1963.  Uma partida que entraria para história pelo recorde de público em uma partida de futebol entre dois clubes. Uns falam em 170 mil, outros em 177 pagantes, alguns garantem que passaram de 200 mil. Talvez nunca venhamos a saber ao certo.
Infelizmente essa partida entraria para história também por outro motivo que não foi lá muito agradável para nós. Bem, não foi nada agradável, aliás. Pela primeira vez na história, o Fla iria nos vencer numa final de campeonato. O carioca de 63. Vencer não é bem a palavra, já que jogo terminou 0x0, mas como eles tinham chances de empate, contabiliza-se uma vitória para eles. De lá pra cá, já se vão quase cinquenta anos e eles só voltaram a repetir o feito só mais duas vezes.
Mas por que num blog voltado para nossa torcida, a história de uma derrota? Por vários motivos. Primeiro porque somos uma torcida fidalga, que ao contrário das demais, sabemos reconhecer os méritos dos adversários. Segundo, porque podemos nos dar ao luxo, já que temos o triplo de conquistas em cima deles. Terceiro para mostrar como o futebol é surpreendente. porque mesmo as conquistas escritas há seis mil anos podem sofrer um acidente e ter seu destino mudado por um detalhe. Foi assim, pelo menos, que Nelson se esquivou na crônica após a derrota, e após ele ter anunciado na crônica anterior que o profeta anunciara: "Fluminense campeão de 63". E, por fim, porque nem só de conquistas e alegrias, se vive a História. Vejam a nossa derrota em 50, quantos livros, crônicas, filmes já não renderam a nossa tragédia nacional! Grandes times vivem também  de suas derrotas, mas só os gigantes tem a grandeza de preservar sua memória.

Semana de Fla-Flu
Nesta crônica publicada n'O Globo no dia 13 de dezembro daquele ano, Nelson fala da euforia antecipada da torcida rubro-negro, tomando o futuro diretor da TV Globo, Walter Clark como exemplo. "Ainda ontem encontrei, no posto 6, o Walter Clark. Nunca vi ninguém tão Flamengo! Pois bem: _ e o W. C. só pensa em Fla-Flu."

***
"Assim que me viu, ele me arrastou para um canto. Conversamos na varanda da TV Rio, diante do mar." Naquela época, Nelson participava na época da famosa mesa redonda esportiva, criada pelo Walter para a TV Rio, com o nome de Grande Revista Esportiva, e mais tarde, já na Globo, passaria a se chamar Resenha Facit. ( http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-236422,00.html )

Sobre Nelson e a resenha esportiva:  http://www.youtube.com/watch?v=TlOBVe6yE80
Prosseguindo, Nelson fala do entusiasmo juvenil de W.C., que lhe confidenciava a festa que estava arrumando para comemorar o campeonato. "(...) vai comemorar a vitória com busca-pé, desfile, bombinhas, fogos diversos. Comprou um automóvel branco, nupcial, imaculado, forrado de arminho. E esse carro de noiva vai puxar a passeata. Pensa, também, numa charanga wagneriana pra dar o tom alto á comemoração."
***

"Eu ouço o W. C. e calo. Mas há qualquer coisa de suicida nessa alegria prévia. Amigos, sempre que vai estourar uma catástofe, o ser humano cai num otimismo obtuso, pétreo e córneo."  "Eis o que me pergunto: _ com suas comemorações antecipadas, o Walter Clark não estará arranjando a sua Hiroshima particular?"
"Mas vejam a dupla experiência que está reservada ao Walter Clark: _ ele hoje canta a vitória rubro-negra, para domingo chorar a vitória tricolor."  
"O profeta já anunciou:_Fluminense, campeão de 63"          
Curioso como Nelson passa a ele mesmo se empolgar com a "perigosa" empolgação do torcedor adversário .Nelson acaba transformando o "já ganhou alheio no próprio Já ganhou".
***   
Dito isso, pulemos o jogo, em que o placar terminou do mesmo jeito que começou. Jogo "oxo".
Ou por outra, falemos do jogo a partir da crônica posterior do grande dramaturgo, publicada no dia seguinte à partida. Sem medo de entregar os pontos, Nelson não perde a pose. "Amigos, ao terminar o grande Fla-Flu , o profeta tratou de catar os trapos e saiu do Maracanã, mas de cabeça erguida. Era um vencido? Jamais. Vencido como, se temos de admitir esta verdade límpida e total: _ o fluminense jogou mais! Não cabe, contra a evidência de nossa superioridade, nenhum argumento, sofisma ou dúvida. " (...) " Alguém dirá que o profeta não previa o empate. Exato. Mas vamos raciocinar. Houve lances, no fla-Flu que escapariam à vidência até de um Maomé, até um Moisés de Cecil B. de Mille. Lembro-me de um omento em que Marcial estava batido irremediavelmente. O arco rubro-negro abria sete metros e quebrados. E que fez escurinho? Enfiou abola na caçapa? Consumou o gol de cambaxirra?" Simplesmente Escurinho levantou para Marcial. Deu a bola na bandeja, como se fosse a cabeça de São João batista. E eu diria que nem Joana D'arc, com suas visões lindas, ou Maomé, pendurado no seu camelo, ou o Moisés de Cecil B. de Mille, do alto de suas alpercatas - Podia imaginar tamanha ingenuidade. 
"E tem mais. Os profetas de ambos os sexos jamais poderiam contar com a trave. No sgundo tempo, Escurinho mandou uma bomba. nenhum gol foi tão merecido. Pois bem: vem a trave e salva. " 
***
A crônica de Nelson não é só lamento., Exalta a torcida rubro-negra, com um certo encanto de observador da cidade: " à saída do estádio, eu vi um crioulão arrancar a camisa diante do meu carro. Seminu como um São Sebastião, ele dava arrancos medonhos. Do seu lábio, pendia a baba elástica e bovina do campeão. mesmo que eu fosse um Drácula, teria de ser tocado por essa alegria que ensopa, que encharca, que imunda  a cidade. Não sei se oi time do Flamengo, como time, mereceu o título. Mas a imensa, a patética, a abnegada torcida rubro-negra merece muito mais. Nota-se um tom ambíguo neste elogio, Algo como uma observação divertida, talvez debochada. Frisa-se também, a parcialidade marcante (e assumida) que já imperava por esses tempos  na crônica esportiva.  Vimos em outros posts do blog, como Henfil tb já tirou sarro na derrota de seu Flamengo para o rival que mais lhe incomodava: nós.

Mas como Nelson também não era de dar o braço a torcer, (vide o episódio: "o video-tape é burro", no link acima) vale observar aqui como ele encerra de forma magistral sua crônica. 
"Amigos, eu sei que os fatos não confirmam a profecia. Ao que o profeta pode responder: _ "Pior para os fatos!". É só.                          

Canal 100:
http://www.youtube.com/watch?v=_uBeLOrNay4 (tricolores, ouçam só até começar aquele hino "detestável"). 

Ficha Técnica:
Ficha técnica: Flamengo 0 x 0 Fluminense.
Decisão do Campeonato Carioca de 1963.
Data: 15/12/1963.
Local: Maracanã, Rio de Janeiro/RJ.
Fluminense: Castilho; Carlos Alberto Torres, Procópio, Dari e Altair; Oldair e Joaquinzinho; Edinho, Manoel, Evaldo e Escurinho. Técnico: Fleitas Solich.
Flamengo: Marcial; Murilo, Luís Carlos, Ananias e Paulo Henrique; Carlinhos e Nelsinho; Espanhol, Airton, Geraldo e Oswaldo. Técnico: Flávio Costa.
Árbitro: Cláudio Magalhães.
Público pagante: 177.656 (o maior da história em jogos interclubes no mundo).
Público presente: 194.603 (o maior da história em jogos interclubes no mundo).
Renda: CR$ 57.993.500,00 (recorde histórico na época).
Fonte: http://jornalheiros.blogspot.com.br/2009/08/recordar-e-viver-o-fla-flu-de-1963.html